Comissões Parlamentares de Inquérito do desastre-crime de Brumadinho: quais os resultados? – Parte 2

Por Lethicia Reis / Edição de Raul Gondim

Dando continuidade à análise das CPIs já finalizadas sobre o desastre-crime da Vale em Brumadinho (se não leu, leia aqui a primeira parte), observaremos o que foi discutido sobre o tema pelo Senado Federal e os impactos legislativos dessas comissões em relação à segurança, à responsabilidade penal e à tributação das atividades de mineração no Brasil.

A CPI de Brumadinho e Outras Barragens (Senado Federal)

Na CPI do Senado, as conclusões não se distanciam, em conteúdo, das outras comissões já analisadas. Essa CPI, porém, ressalta a necessidade de se fortalecer a Agência Nacional de Mineração (ANM) para aumentar a fiscalização da segurança nas barragens. As senadoras e os senadores expressam preocupação com a capacidade da Agência fiscalizar os empreendimentos minerários. Isso porque a ANM já surgiu com uma estrutura pequena e tende a ser cada vez mais sucateada pelos cortes governamentais e pela evasão fiscal das mineradoras. Segundo o Tribunal de Contas da União, ela é percebida como um dos órgãos executivos mais suscetíveis de corrupção e fraude num cenário hipotético de aumento de recursos orçamentários.

Em outras palavras, o que a CPI de Brumadinho e Outras Barragens aponta é que, apesar de a ANM ser uma alternativa para que as mineradoras não se auto-fiscalizem como fez a Vale em Brumadinho, há que se garantir formas para que o órgão cumpra a sua função ética, honesta e efetivamente.

Dois dos principais pontos de preocupação que as senadoras e os senadores levantam em relação à ANM dizem respeito à falta de um código de ética/conduta de seus servidores e à necessidade de as mineradoras informarem à Agência o status de segurança das barragens para uma atuação tempestiva e eficiente.

CPI de Brumadinho (CPIBRUM) realiza audiência pública interativa com integrantes da Força-Tarefa Brumadinho. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Além de salientar a importância da ANM, a comissão conclui também a responsabilidade penal da Vale no crime, por se omitir dos riscos inerentes às suas operações em Brumadinho face à vida, ao patrimônio e ao meio ambiente. A responsabilidade penal da empresa, segundo a CPI, perpassa dois pontos: os riscos morais assumidos com a desativação da barragem em 2016, desde quando a Vale passou a considerar menor os riscos de rompimento; e o defeito de organização da empresa, que não priorizou o cumprimento das leis e dos métodos de avaliação de segurança da barragem mais adequados.

De acordo com o relatório final, assumir os riscos de um rompimento é parte indissociável da dinâmica operacional da Vale.

Assim como os integrantes das outras CPIs, as senadoras e os senadores concluíram que a Vale considerou a margem de risco nas operações da Mina Córrego do Feijão, mas, apesar das possibilidades de investir em prevenção, porque os custos de um acidente seriam menores, a empresa operava acima da margem de risco.

Diante disso, a comissão recomenda o indiciamento, o julgamento e a punição dos funcionários das empresas que foram ouvidos e eram, até o rompimento, responsáveis pela segurança da barragem, bem como a responsabilização da Vale e da Tüd Süd. Para além das recomendações, como resultado da CPI de Brumadinho no Senado Federal, nove projetos de lei foram apresentados, com o intuito de revisar a regulação das seguranças de barragens de rejeitos no Brasil.

Familiares de vítimas do desastre-crime de Brumadinho acompanham audiência pública da CPI de Brumadinho da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Foto: Guilherme Bergamini/ALMG

Todas as CPIs instauradas após o rompimento da Barragem 1 da Mina do Córrego do Feijão fizeram o esforço, além das investigações próprias, de criar uma rede de diálogo entre as comissões. Analisando os relatórios finais das três CPIs, bem como as atividades da Comissão Externa Desastre de Brumadinho e da CPI da Câmara dos Deputados, eles demonstram que diversas reuniões, visitas de campo e documentos foram construídos em conjunto com todas as casas legislativas, o que mostra o comprometimento desses órgãos em se fazer uma investigação tão completa quanto possível.

Nesse sentido, além das conclusões e dos requerimentos apontados individualmente por cada comissão, diversos projetos de lei e orientações administrativas surgiram como resultado dessas investigações.

O Projeto de Lei de Segurança de Barragens de Rejeitos de Mineração proíbe novos licenciamentos de novas barragens de rejeitos e de resíduos industriais, além de determinar que as barragens existentes devem ser descomissionadas em até 10 anos e instaurar a Taxa de Fiscalização de Segurança de Barragem de Rejeitos (TFSBR), a ser paga pelas empresas mineradora. Essa taxa irá compor um fundo que será acessado por empresas fiscalizadoras de segurança, que serão escolhidas por sorteio ou por outro meio fortuito, a fim de evitar conflito de interesses entre a empresa fiscalizadora e a empresa mineradora.

Já em virtude da sonegação fiscal apontada pelas comissões, propõe-se uma lei que institui para os Estados, para o Distrito Federal e para os municípios onde são explorados minérios, petróleo, gás natural ou energia elétrica, o recolhimento de imposto a partir da receita líquida da mineração.

Em relação aos crimes ambientais, há projetos de lei que buscam diferenciar os crimes ambientais comuns de desastres-crimes de grandes proporções, como o praticado pela Samarco-BHP-Billiton em 2015 e o da Vale em 2019. Eles propõem tipificar “dar causa a rompimento de barragem” como um crime específico, bem como aumentar as multas para que as empresas não continuem preferindo cometer os crimes a resguardar a vida e o meio ambiente.

Por fim, é unânime a conclusão de que o Código da Mineração (Decreto-Lei 227/1967) precisa ser revisto. Para tanto, como sugestão da CPI do Senado, a ideia é se criar uma Comissão de Especialistas de reforma do Código da Mineração para que a atividade minerária seja atualizada de acordo com as tecnologias existentes atualmente, as condições climáticas e as necessidades tributárias que o Brasil possui.Além das iniciativas acima apontadas, outra lei importante para a discussão de mineração no estado de Minas Gerais é a Lei Mar de Lama Nunca Mais, de iniciativa popular e que contou, em sua elaboração, com ampla participação da sociedade civil organizada e do Ministério Público. A Lei, embora represente diversos avanços em relação à segurança da atividade minerária no estado, aguarda ainda ser sancionada pelo governador do estado, Romeu Zema, para que entre em vigor. Discutiremos mais profundamente sobre essa lei em próximo artigo da série Minas de Resistência! Acompanhe!