Há 15 anos, as comunidades geraizeiras do território tradicional do Vale das Cancelas, localizado no Norte de Minas Gerais, resistem às tentativas da Sul Americana de Metais (SAM) de seguir adiante com o Projeto Bloco 8. O empreendimento, que prevê a construção da maior barragem de rejeitos do país e o segundo maior mineroduto do mundo, ameaça a existência de dezenas de comunidades tradicionais na região do município de Grão Mogol.
Recentemente, lideranças e organizações que acompanham a luta do povo geraizeiro tomaram conhecimento de que o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) estaria firmando um Termo de Compromisso Positivo com a SAM. A assinatura do termo seria uma sinalização do judiciário mineiro para que o projeto, que encontra-se em fase de licenciamento, possa seguir em frente.
Diante da informação, na quinta-feira, 24/03, as comunidades geraizeiras do Vale das Cancelas enviaram ao MPMG uma nota contrária à assinatura do Termo de Compromisso. O documento enviado reafirma os danos que o Projeto Bloco 8 já vem causando ao território geraizeiro e a necessidade de consulta às comunidades sobre o empreendimento.
Leia abaixo a íntegra da nota.
Prezadas Promotoras e Promotores,
Enviamos esta carta como uma forma de apelo às Promotorias em relação às estratégias da SAM – Sul Americana de Metais S/A, para entrar em nosso território tradicional Geraizeiro de Vale das Cancelas. Estamos há 15 anos nesse enfrentamento. Conhecemos de perto o projeto da SAM. Nós, comunidades ameaçadas, estudamos o projeto da SAM, construímos mapas, fizemos reflexões e temos a certeza que o projeto não serve pra nossa região. Assim, por muitos anos, fizemos ações para impedir que este projeto de morte nos mate.
Sabemos muito bem que, caso a SAM entre com seu projeto em nosso território este será irremediavelmente impactado e várias comunidades deixarão de existir. Com esse projeto, os nossos sonhos de viver em harmonia com o Cerrado, terão fim. Não existe possibilidade de convivência. Só no complexo minerário, 11 comunidades serão diretamente atingidas e sofrerão remoção forçada. As comunidades que serão vizinhas, caso esse projeto seja implantado, não poderão viver ao lado de tanta destruição. Poeira, fim das águas, barragens de rejeitos gigantescas (a segunda maior do mundo), contaminação da natureza, entre outros.
Recentemente fomos informados da possibilidade do Ministério Público de Minas Gerais e a SAM assinarem um Termo de Compromisso Positivo. Em que pese a assinatura desse termo positivo, é de se considerar o cenário atual em que estamos inseridos. Além da problemática do termo em si, já que os povos não foram consultados, a curva de contaminação de COVID-19 está no seu maior pico desde o início da pandemia, motivo pelo qual estamos enfrentando a onda roxa na qual os órgãos de justiça, para cumprimento das medidas devidas, estão em trabalho reduzido, o que dificulta o devido acesso à informação. Não é razoável que esse documento seja firmado à revelia das populações tradicionais que são diretamente atingidas por este empreendimento e que, nesse momento, lutam pela sobrevivência já que o Estado brasileiro vem acumulando tragédias na omissão do enfrentamento à pandemia. Não podemos admitir mais violações de direitos especialmente nessa conjuntura adoecida.
Entendemos que a participação das comunidades geraizeiras na discussão de qualquer questão que envolva este projeto que impactará nossas vidas é essencial, sobretudo quando se trata de um acordo junto ao Ministério Público, com quem as comunidades têm estabelecido um importante diálogo.
No momento, porém, estamos lidando com um grande número de pessoas infectadas pela COVID-19 e com o número de mortes aumentando diariamente, inclusive dentro do território geraizeiro. Estamos, portanto, impossibilitados de nos reunir e tomar decisões coletivamente, conforme a nossa tradição. Além disso, muitas comunidades sequer possuem acesso à rede de internet, e, assim, a consulta não é possível de ser feita agora.
Requeremos, assim, que este termo não seja assinado até que a comunidade seja consultada. Que seja estabelecido um diálogo conosco, que somos os atingidos por este projeto e os mais interessados na manutenção da natureza, pois a nossa vida, dos nossos filhos e netos, dependem diretamente do nosso lugar.
Assim, aguardamos resposta e pedimos celeridade, certos que abriremos esse diálogo para que os processos que afetam a nossa vida sejam por nós discutidos e avaliados.
Atenciosamente,
Comunidades do Território Tradicional Geraizeiro Vale das Cancelas
Apoiam:
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular
FIAN Brasil
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB