No dia 11 de dezembro de 2021, as Defensorias Públicas da União e do Estado de Minas Gerais ajuizaram ação civil pública com o intuito de garantir o direito à consulta de comunidades tradicionais geraizeiras do Norte de Minas Gerais.
A ação foi proposta contra o Estado de Minas Gerais, as autarquias federais Agência Nacional de Águas (ANA) e Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA), a empresa Sul Americana de Metais S.A (SAM), e a Lótus Brasil Logística e Comércio (Lotus), sob o fundamento de que essas entidades têm violado o direito de comunidades tradicionais ao tentar implementar mega empreendimento minerário sem garantir a estas comunidades o a Consulta, Livre, Prévia, Informada e de Boa Fé.
Direitos violados
Na ação, estão representadas pelas Defensorias as comunidades tradicionais Geraizeiras do Norte de Minas Gerais, especificamente do Vale das Cancelas, situado no município de Grão Mogol, em Minas Gerais. Povos e comunidades tradicionais, na definição do art. 3o, I, Decreto 6.040/2007 são:
“grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”
Além do referido Decreto, tais comunidades encontram proteção na Lei Estadual 21.147/2014, no Decreto Estadual 47.289, de 20 de novembro de 2017 (Regulamenta a Lei nº 21.147, de 14 de janeiro de 2014, que institui a política estadual para o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais de Minas Gerais), dentre outras.
O Território Geraizeiro do Vale das Cancelas é composto por cerca de 73 comunidades (Núcleos Tingui, Josenópolis e Lamarão). Estima-se que pelo menos 2.230 famílias tradicionais sejam atingidas pelo empreendimento da mineradora SAM.
A principal legislação violada neste contexto é a Convenção 169 da OIT, que garante a estes povos a Consulta e Consentimento, livre, prévia, informada e de boa fé. Esse direito garantido a povos e comunidades tradicionais impõe que qualquer medida administrativa, legislativa, judicial, ou seja, qualquer empreendimento que possa gerar algum tipo de interferência nestes territórios tradicionais tem que passar por um processo de consulta a estes povos.
No caso, temos em curso um processo de licenciamento ambiental proposto pela empresa SAM que está em andamento sem que este direito tenha sido garantido. Em resposta à Recomendação Conjunta nº 002/2021 – DPU/DPMG, o Estado de Minas Gerais manifestou entendimento no sentido de que a consulta, neste caso, seria feita de forma concomitante ao empreendimento, o que destoa completamente do que diz a Convenção 169, e do próprio entendimento dos tribunais superiores em relação à consulta ser prévia ao licenciamento e, consequentemente, ao início da implementação do empreendimento.
Impacto em números
O Complexo Minerário prevê a construção de:
- 1 mina a céu aberto,
- 1 usina de tratamento de minério,
- Estruturas de apoio,
- 2 barragens de rejeitos,
- 1 barragem industrial (água),
- 1 barragem de água no Córrego do Vale
- Adutora do Rio Irapé,
- Linha de transmissão de 345 kv (67 km de extensão, partindo de Irapé), de mais uma barragem de água (no Rio Vacaria),
- Adutora na barragem do Rio Vacaria,
- Estação de tratamento de água
- Estação de tratamento de esgoto.
- Mineroduto de 482km, que cortaria 12 municípios do estado da Bahia e 09 municípios de Minas Gerais. (2º maior do mundo)
No total, a previsão é que as barragens de rejeito acumularão 1,18 bilhões de m³ de rejeito. Já a outorga concedida pela Agência Nacional das Águas (ANA) à empresa SAM permite que ela retire 51 milhões de metros cúbicos de água por ano da barragem de Irapé, situada no Rio Jequitinhonha. A quantidade de água gasta seria suficiente para abastecer uma cidade e meia do porte de Montes Claros, com cerca de 400 mil habitantes e consumo em média 30 milhões de metros cúbicos de água por ano.
Pedidos à Justiça
A ação envolve diversos pedidos, dentre eles que o Estado seja obrigado a:
- Promover a regularização fundiária do território tradicional geraizeiro do Vale das Cancelas, nos termos da legislação vigente;
- Suspenda o licenciamento do processo da SAM até que seja concluída a regularização fundiária do território e que seja garantido o procedimento de consulta e consentimento prévio, livre, informado e de boa fé à essas comunidades;
Além disso, pede-se que o juiz determine:
- Que o EIA/RIMA da empresa seja refeito considerando o direito à consulta;
- A condenação dos réus em dano moral coletivo pela violação de direitos.
ACESSE AQUI A PETIÇÃO INICIAL DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 1014398-57.2021.4.01.3807
Texto: Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular