* Por Clara Maragna
O histórico de mineração concentra derrotas para o povo e vitórias para o capital financeiro privado. Um dos acúmulos dos empreendimentos se traduz na força instituída sobre um negócio de risco, privado, predatório mas, conceituado como de finalidade pública pelo Estado.
Não é à toa que minério de ferro cheira a sangue, seu rastro remonta a provinciana era do ouro e passa pelos recentes crimes de Brumadinho e Mariana que arrasaram, famílias, comunidades, fauna, flora e água.
Prospectar as tragédias tem sido uma reflexão cotidiana daqueles que vivem embaixo de barragens de rejeitos, próximos a rios contaminados e que já sofriam com a escassez de políticas públicas básicas como saneamento básico.
Em meio ao apocalipse político, num mundo onde apenas 5% da água disponível na Terra é própria para o consumo humano, no país onde a representação parlamentar vota pela privatização da água, o mar de lama nos inunda e a água se reduz a uma finalidade econômica.
Imaginemos a água, recurso natural, bem comum de toda coletividade ser colocada no centro das políticas de interesse público de um país. Certamente faria com que o Sr. João tivesse o mesmo direito enquanto cidadão de cuidar, fiscalizar e usar a água, assim como é feito por diversas mineradoras.
No entanto, o que se pode ver é o controle da água enquanto mercadoria nas mãos dos grandes empreendimentos, obscuridade nos processos fiscalizatórios, contaminação de bacias hidrográficas e, claro, impunidade.
A Lei Mar de Lama Nunca Mais, Nº. 23.291/19, padece de regulamentação, as barragens existentes de interdições – ou novas fiscalizações, e a população de informações adequadas por parte do Governo de Minas.
Embora não tenhamos as devidas informações, o que sabemos é que se a mineração fosse um grande negócio de interesse público, seu corpo de decisão não seria empresarial, a taxa dos royalties dos minérios seria discutida pela sociedade civil e o lucro do empreendimento não seria superior à vida dos seus funcionários.
No entanto, a estratégia dos grandes empreendimentos é atuar como auto-fiscal dos seus trabalhos, usar a água, bem comum de toda a coletividade, como um recurso hídrico de interesse econômico e nos convencer dessa mentira.
Embora o esforço dos blocos econômicos e do Estado de Minas Gerais seja grande para que os empreendimentos minerários continuem operando mesmo sem a devida reparação das vítimas de Brumadinho, por exemplo, ou dos atingidos ao longo do Rio Doce, ou da recuperação dos crimes ambientais, quatro CPI’s (Comissões Parlamentares de Inquérito) foram abertas pelo país: no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e na Câmara Municipal de Belo Horizonte.
Dentre os processos de investigação das atividades minerárias, a CPI das Barragens da Câmara Municipal de Belo Horizonte trouxe estudos sobre o iminente risco de falta de água para distribuição e consumo para a região de Belo Horizonte e metropolitana, o que não foi suficiente para intimidar o Governador Romeu Zema a firmar um protocolo de intenção nesse ano de 2019, afim de viabilizar a implantação do maior empreendimento minerário do Brasil e o segundo maior do mundo, na região mais seca de Minas Gerais.
A mineradora Sul Americana de Metais S/A (SAM) ainda não possui licença ambiental e é conhecida por tentar licenciar o maior empreendimento do Brasil desde 2009 junto ao IBAMA e a SEMAD, usando da famosa tática da fragmentação do negócio para impor, acima das leis, a atividade econômica de alto risco no Estado de Minas Gerais.
O que está para acontecer está para além de um capítulo trágico colonizado, mas sim a concretização da maior crise hídrica desse país com a efetivação do projeto que prevê o consumo de mais de 6,2 milhões de litros de água que serão eliminados por hora na região mais seca de Minas Gerais.
Trata-se de um projeto chinês que prevê a construção de um complexo minerário com barragens de rejeito e de água, mina, usina de tratamento de minério e um mineroduto de 482 km que chegaria até Ilhéus, na Bahia, com a quantidade de água que abasteceria duas cidades do tamanho de Montes Claros.
Licenciar um projeto que vai acabar com as fontes de água no Norte de Minas é gerenciar um projeto de crime socioambiental, é contribuir para a impunidade que ronda Brumadinho, Mariana, Barão de Cocais, Serro, é nos atacar coletivamente.
É preciso compreender que a nossa sobrevivência depende da interrupção dos danos ambientais causados pela mineração e que a segurança hídrica e a água, enquanto bem comum da coletividade, precisam ser colocadas no centro dos debates políticos.
O cenário onde a água, a vida e o meio ambiente estão sujeitos ao impacto da atividade minerária chancelada pelo Estado é um cenário de morte, no campo, na cidade e na capital.