O primeiro caso emblemático do CMA foi a Ação Popular contra o recolhimento ilegal dos pertences da população de rua pela Prefeitura e PM (proposta em 2013). Essa ação nasceu devido a várias queixas de recolhimento de pertences de moradores em situação de rua, tendo sido presenciada uma ação no bairro Floresta, em que agentes municipais e policiais militares recolheram remédios, documentos e até muletas de moradores de rua. De fato, há muito tal prática vinha sendo denunciada, mas as ações de “higienização” da cidade se intensificaram no contexto de preparação para a Copa do Mundo e a população em situação de rua se tornou o alvo preferencial das ações truculentas e ilegais que visavam tornar a cidade o lugar ideal para a realização desse megaevento. Nesse cenário, foi proposta uma ação popular com pedido de antecipação de tutela, cuja solicitação era impedir que o poder público recolhesse esses pertences. O juiz de primeiro grau indeferiu a liminar, em decisão lamentável que tratou essa espécie de “roubo institucionalizado” como uma questão de higiene. Segue trecho da decisão:
DECISÃO JUIZ PRIMEIRO GRAU (5a vara da Fazenda Pública e Autarquias): “em que pese ter o autor afirmado que os réus teriam recolhido todos os pertences pessoais e documentos da população em situação de rua, no local indicado na exordial, o que, de fato, restou demonstrado no presente feito, até o momento, foi o recolhimento de entulhos, conforme vídeo de f. 55 e fotografias de ff. 57/60. Tal ação não caracteriza qualquer ofensa à moralidade administrativa por parte dos réus, vez que trata-se de medida de segurança sanitária à sociedade, sendo que mencionados entulhos podem, ainda, trazer problemas de saúde à população, atraindo ratos e insetos.”
Como pode um documento de identificação atrair ratos? Como se pode permitir a retirada arbitrária de pertences que muitas vezes são extremamente importantes para moradores de rua, inclusive para sua estabilidade emocional?
Diante dessa decisão esdrúxula, o Coletivo Margarida Alves interpôs agravo e o Tribunal de Justiça deferiu o pedido feito no recurso. O dia do julgamento foi muito marcante, pois alguns moradores de rua que foram presenciar o momento decisório tiveram dificuldades de entrar no TJMG, já que não tinham documentos de identificação, justamente porque esses haviam sido retirados pela administração pública. Deferido o pedido, muitos moradores de rua passaram a andar com a decisão impressa no bolso para se defenderem. Além disso, criou-se uma ampla rede de movimentos e instituições que trabalhou para empoderar a população em situação de rua acerca de seus direitos fundamentais.
Infelizmente, inventando uma brecha na decisão judicial que impedia o recolhimento de pertences pessoais, a prefeitura de Belo Horizonte publicou, no final de 2013, uma instrução normativa que define o que é pertence pessoal para o morador de rua. Vejamos esse trecho:
art. 5 § 1º – Consideram-se pertences pessoais essenciais à sobrevivência os bens móveis lícitos que o cidadão em situação de rua seja capaz de portar consigo em um só deslocamento e sem auxílio de veículos transportadores, tais como peças de vestuário, alimentos, documentos pessoais, bolsas, mochilas, receituários médicos, medicamentos, cobertores, objetos de higiene pessoal, materiais essenciais ao desenvolvimento do serviço/trabalho, utensílios portáteis, dentre outros.
Como pode uma pessoa dizer à outra o que é e o que não é seu pertence pessoal? Como se pode ter uma definição como tal apenas para um grupo de pessoas? A instrução normativa é inconstitucional e tenta burlar a decisão judicial que ainda hoje é válida.
Atualmente o CMA é membro do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Estadual para a População em Situação de Rua – Comitê PopRua-MG.