Texto destaca que comunidades não tiveram o direito à consulta prévia exercido; projeto prevê construção de duas barragens de rejeitos e captação diária de quase 140 milhões de litros de água; Romeu Zema ainda não cumpriu promessas à região para 2021
Na última sexta-feira (5/11), foi expedida a segunda recomendação do ano, assinada em conjunto por representantes das Defensorias Públicas da União (DPU) e do Estado de Minas Gerais (DPMG). Por meio dela, instituições subordinadas aos poderes executivos federal e estadual são questionadas sobre o licenciamento do Projeto Bloco 8, da mineradora Sul Americana de Metais (SAM), na região do Vale das Cancelas, no Norte de Minas.
O texto destaca que as comunidades tradicionais, cuja soberania territorial vem sendo ameaçada pela construção do empreendimento minerário, não tiveram seu direito à consulta prévia exercido até o momento. Acesse a Recomendação Conjunta nº 002/2021 – DPU/DPMG aqui.
A orientação é direcionada às Secretarias de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa) de Minas Gerais, ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e à Agência Nacional de Águas (ANA). Os órgãos governamentais têm o prazo de dez dias para responderem às solicitações das Defensorias Públicas.
Violação de direitos
O documento publicado pelas DPU e DPMG, nesta quinta, foi construído a partir de discussões com lideranças de diversos povos do território, indígenas, geraizeiras e quilombolas. O Coletivo Margarida Alves (CMA), de assessoria jurídica popular, é parte da rede de apoio às comunidades potencialmente impactadas pelo empreendimento, ao lado de entendidades parceiras como a Comissão Pastoral da Terra, o Movimento dos Atingidos por Barragens e a Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (Fian, na sigla em inglês).
Conforme a advogada popular do CMA, Lethicia Reis, esses povos e comunidades tradicionais têm o direito, garantido pela Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – que é lei no Brasil desde 2004, por meio do Decreto Presidencial nº 5051 -, a serem consultados sobre toda e qualquer mudança nos seus territórios.
“Estamos falando de pessoas que, em alguns casos, serão desalojadas para dar lugar a um empreendimento minerário e que sequer foram consultadas sobre isso”, argumenta Lethicia.
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Impacto em números
O empreendimento minerário prevê a implementação de duas barragens, com capacidade total de aproximadamente 845 milhões de metros cúbicos de rejeitos, atingindo os municípios de Grão Mogol, Padre Carvalho, Fruta de Leite e Josenópolis. Para se ter ideia da dimensão, a barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho, comportava 11,7 milhões de metros cúbicos quando rompeu, em 2019.
Além disso, o licenciamento ambiental viabiliza a construção de um mineroduto até Ilhéus, no Sul da Bahia, onde também haveria a instalação de um porto. O volume escoado no trajeto, autorizado pela ANA, é de quase 140 milhões litros de água por dia – quantidade suficiente para abastecer uma metrópole de 900 mil habitantes, de acordo com estimativas do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS).
Como agravante, o Norte de Minas é classificado como Área Susceptível à Desertificação, pelo Plano de Ação Estadual de Combate e Mitigação dos Efeitos da Seca de Minas Gerais (PAE-MG).
Após o Ibama negar a viabilidade do projeto por pelo menos dez anos, o processo de licenciamento foi delegado, em 2021, à Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais. Durante audiência pública, realizada pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, em 21 de setembro, Lethicia Reis interpelou os parlamentares presentes sobre como apenas uma unidade federativa poderia licenciar um projeto com área de abrangência interestadual. Assista à audiência completa neste link.
Falsas promessas
Por sua vez, a Secretaria de Estado de Agricultura de Minas Gerais é cobrada, na Recomendação Conjunta, para que disponibilize informações sobre o andamento dos procedimentos de regularização fundiária dos territórios geraizeiros do Vale das Cancelas (Núcleos de Josenópolis, Tingui, e Lamarão), com a indicação de prazo de entrega de títulos em cada um deles.
Os municípios foram selecionados para o Programa Estadual de Regularização Fundiária de Posseiros de Terra Devoluta Rural, via edital de chamamento público de 2020, e até o momento não tiveram os benefícios concedidos.
A advogada popular do Coletivo Margarida Alves lembra ainda que o governador Romeu Zema tem alardeado a concessão de 1,5 mil títulos de propriedade rural, em 2021, por meio do programa, a partir de um investimento público de mais de R$ 5 milhões por ano. No entanto, ainda não prestou contas à sociedade de quantos deles já teriam sido entregues até este mês de novembro.
Conforme cálculos de entidades de proteção aos direitos humanos, até o fim de outubro, nem um terço do prometido foi cumprido. As inscrições para o edital com execução prevista para 2022 estão abertas desde o último dia 27 e encerram-se nesta segunda-feira (8/11).
Texto: Coletivo Margarida Alves | Assessoria Jurídica Popular
Mais informações: comunicacao@coletivomargaridaalves.org