*Artigo publicado, originalmente, na coluna Minas de Resistência no Brasil de Fato MG
Oi, tudo bem? São as três palavras mais recorrentes em nossas conversas cotidianas. Pela força do hábito, tendemos a responder: tudo bem sim, e você? Mas, o que é estar bem? É possível estar bem nos dias atuais?
Em uma sociedade como a nossa, e no contexto político em que vivemos no Brasil, podemos desconfiar que quem está muito bem ou é dotado de muitos privilégios ou não se preocupa com o próximo.
Como os fatores políticos influenciam em nosso bem-estar?
Na semana do Dia Mundial da Saúde Mental, marcado em 10 de outubro, queremos falar sobre os eventos que atravessam nossas vidas e que influenciam não apenas a nossa saúde física, mas também a nossa saúde mental.
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a definição de saúde diz respeito a “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não só a ausência de doença ou enfermidades”. A saúde mental, por sua vez, é parte integral da saúde e do bem-estar. Constituição Brasileira de 1988 garante, no artigo sexto, entre outros direitos sociais, o direito à saúde. Se a saúde mental também é parte da definição de saúde, ela também é um direito.
Recém saímos de um contexto que afetou todo o mundo – a pandemia da covid-19 –, que, só no Brasil, matou quase 700 mil pessoas. Sim, a pandemia matou em todo o mundo, mas saber que o número de mortes no Brasil foi tão alto pela negligência do atual presidente nos afeta negativamente.
O cenário de incerteza, de tristeza e de insegurança na pandemia se agravava cada vez que o presidente dizia coisas como “eu não sou coveiro”, após 2.584 mortes registradas, ou “lamento profundamente, mas é um número insignificante”, após 622.801 mortes registradas.
A perda de entes queridos, a mudança de rotina, a perda de emprego, a diminuição salarial, a piora na economia, o encarecimento dos alimentos, o entupimento do sistema de Saúde, e outras consequências da pandemia podem também ter trazido transtornos para a nossa saúde mental. Dados da OMS indicam que a depressão e a ansiedade aumentaram mais de 25% apenas no primeiro ano da pandemia.
Como é possível viver bem em um cenário tão precário de acesso a direitos?
Muito além da pandemia, outras situações afetam negativamente a nossa saúde mental. Para aqueles e aquelas que são vítimas de grandes desastres socioambientais, por exemplo, o cenário de incertezas, de inseguranças e de perdas pode ser devastador. Pesquisas demonstram que, no contexto do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, o aumento de ansiedade, o surgimento de depressão e o uso de remédios controlados são uma realidade entre as vítimas.
O mesmo cenário se observa no caso do rompimento da barragem da Vale S.A em Brumadinho. O desastre-crime, além de trazer danos ambientais, econômicos e sociais irreversíveis, trouxe uma piora significativa para a saúde mental da população local.
Uma pesquisa da FioCruz demonstrou que o percentual de pessoas adultas moradoras de Brumadinho que responderam ter depressão é de 22,5%, número superior aos 10,2% relatados pela população brasileira em geral. Ansiedade e problemas de sono também foram apontados pelas pessoas entrevistadas.
Não só os desastres-crimes da mineração, mas qualquer contexto de violências e de violações de direitos humanos, inegavelmente, afeta a saúde das vítimas. A OMS reconhece que desigualdades sociais e econômicas, emergências de saúde pública, guerra e crise climática estão entre as ameaças estruturais globais à saúde mental. Seria relevante destacar aqui também as desigualdades raciais, pois não é demais lembrar que o racismo também é causador de depressão, de ansiedade e de outros transtornos de saúde.
O que vai ser do nosso futuro
Sabemos que, ainda que consigamos garantir a eleição de Lula, de certa forma, a sociedade brasileira demorará alguns anos para derrotar o bolsonarismo, cuja expressão maior é o fundamentalismo religioso, o racismo, o machismo, a lgbtfobia e outras opressões.
Diante desse contexto, devemos nos preparar fisicamente, mas sobretudo emocionalmente, para conseguir sobreviver em um país onde o racismo seguirá matando todos os dias; onde, a depender da orientação sexual e da identidade de gênero, você terá menos chances de viver; onde defender direitos se torna crime; em um país onde 272 pessoas morreram por negligência de uma empresa mineradora, em uma sociedade onde o lucro importa mais que a vida.
O cenário não é fácil, mas para nós nunca foi nada fácil. Garantir a eleição de Lula é fundamental para recuperarmos um pouco da esperança que o governo Bolsonaro nos tirou. Que tenhamos a serenidade de passar os próximos dias convencendo pessoas de que todas as vidas importam e que nenhuma vida vale mais que a outra.
E que possamos comemorar em breve a chegada de um novo tempo para este país. Nós precisamos e merecemos. Há esperança!
Larissa Vieira é advogada popular, membra do Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular (CMA), uma organização antirracista, anticapitalista e feminista, que presta assessoria jurídica popular a diversos grupos no campo e na cidade.
Leia os outros textos da coluna Minas de Resistência do Coletivo Margarida Alves no Brasil de Fato MG:
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