Comunidades rejeitam mineração no Norte de Minas

*Do site da Assembleia Legislativa de Minas Gerais

Fotos: Flavia Bernando/ALMG

Pessoas que já não dormem com medo de perder suas casas e seu modo de produção, sua identidade e seu território. Relatos nesse sentido foram feitos à Comissão de Direitos Humanos nesta segunda-feira (16/12/19) por movimentos sociais e moradores do Norte de Minas, diante da perspectiva de instalação de empreendimento minerário de grande porte nos municípios de Grão Mogol e Padre Carvalho.

Com motes como “mineração, aqui não”, eles participaram de nova audiência sobre o assunto na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na qual se referiram ao negócio como “projeto de morte” e reivindicaram a suspensão imediata de qualquer processo de licenciamento da atividade.

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O empreendimento prevê a construção de mineroduto e de barragem de rejeitos pela Sul Americana de Metais (SAM) e seria 100 vezes maior do que o de Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte), ameaçando 70 nascentes e 11 comunidades tradicionais geraizeiras, em uma região que já sofre com a seca.

Adaptados às características do cerrado do Norte de Minas, de onde tiram o que é necessário para sua sobrevivência, os geraizeiros são populações tradicionais com meios próprios de vida, por meio da criação de animais, plantações, extrativismo de frutos e a agricultura familiar.

Orlando dos Santos, presidente da Comissão para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, centrou sua fala no valor que o cerrado tem para os geraizeiros. “Querem a mineração a qualquer custo, com falsas promessas de desenvolvimento por parte da empresa e até com a distribuição de kits de irrigação para tapear, tentando nos coagir, mas não vamos deixar”, desabafou, emocionado.

Empreendimento é criticado por fragmentar processo de licenciamento

Fatos relacionados ao empreendimento se arrastam desde 2006, quando foram relizadas as primeiras visitas da mineradora SAM, de controle chinês, às comunidades geraizeiras, com início de pesquisas minerais e estudos de impacto ambiental do projeto, conforme histórico relembrado por Luzia Alane Dias, representante da Comissão Pastoral da Terra.

Em 2016, o projeto foi indeferido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por inviabilidade ambiental. Ao longo desse tempo, o projeto passou por sucessivas mudanças de nome e também de novos pedidos de autorização. Mais recentemente, esses pedidos teriam sido desmembrados entre a Lotus Brasil Comércio Logística e a SAM, que, na prática, seriam a mesma empresa e teriam o mesmo comando.

Essa estratégia foi criticada pela presidenta da comissão, deputada Leninha (PT), para quem se trataria de uma fragmentação intencional na busca de se conseguir o licenciamento a todo custo, com cada empresa cuidando de uma das iniciativas. Por hora, já que há questionamentos também na Justiça, o licenciamento do mineroduto caberia ao Ibama e o da barragem, à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).

“A água está em disputa, e não queremos que ela sirva para empurrar minério em uma região carente desse recurso,”, ressaltou Leninha, que pediu a audiência juntamente com as deputadas Andréia de Jesus (Psol) e Beatriz Cerqueira (PT) e os deputados João Vítor Xavier (Cidadania) e Charles Santos (Republicanos).

“Esse tipo de empreendimento predatório não vale o custo para a população”, criticou, ainda, Beatriz Cerqueira, lembrando que “o crime da Vale” deixou 270 pessoas mortas e uma região devastada com o rompimento da barragem em Brumadinho, em janeiro passado.

Leninha acrescentou que a comissão vai atuar para que consultas públicas à comunidade exigidas no processo de licenciamento, segundo ela previstas para janeiro próximo, não ocorram nesse período, por ser época de recesso no Judiciário e no Legislativo.

Defensora pública alerta para intenções do governo

A defensora pública Ana Cláudia Storch informou que ainda vai analisar mais a fundo o protocolo de intenções assinado recentemente pelo governador Romeu Zema quanto ao empreendimento no Norte de Minas, mas que já poderia apontar pontos que considerou como preocupantes no documento.

Entre eles, está o fato de o governo registrar que a atividade trará benefícios sociais e econômicos à população, ao mesmo tempo em que diz no documento que haverá necessidade de “remoções forçadas” de populações que vivem na região. 

Também chamou a atenção da defensora o fato de o documento expressar, na cláusula primeira, que o protocolo tem como objetivo viabilizar a extração e o beneficiamento de minério. “Essa intenção de viabilizar não condiz com um protocolo de governo, que é ao mesmo tempo o órgão fiscalizador”, criticou a defensora.

A advogada Layza Santos alertou, por outro lado, que as populações geraizeiras não estariam sendo informadas e nem consultadas, como preconiza a legislação vigente e a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, e que garantem o direito à Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) dos povos atingidos por projetos públicos e privados.