Em três dias de encontro, cerca de cem pessoas debateram caminhos possíveis para a revogação da resolução que regulamentou consulta prévia e livre aos povos tradicionais afetados por empreendimentos; Carta política foi escrita após troca de experiências.
De sexta-feira (19) a domingo (21), pescadores/as, vazanteiros/as, quilombolas, indígenas, congadeiros/as, geraizeiros/as, ciganos/as, apanhadoras de sempre-vivas, carroceiros, ribeirinhos/as e outros representantes de povos e comunidades tradicionais participaram do Encontro de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais, em Ribeirão das Neves (MG). O evento foi construído por diversas entidades da sociedade civil, organizações de povos e comunidades tradicionais, com apoio de mandatos parlamentares. O objetivo foi promover trocas de experiências para a articulação de uma rede pela defesa do direito à consulta e consentimento livres, prévios, informados e de boa fé de povos e comunidades tradicionais garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“Eu vou embora com o coração cheio de esperança e o corpo revigorado pra dar conta do que vem pela frente, depois de tantas discussões e partilhas com outros povos”, resumiu Marlene Ribeiro dos Santos, geraizeira moradora do acampamento Avilmar Ribeiro, no Vale das Cancelas, Norte de Minas. Marlene vive em uma pequena propriedade no acampamento onde, segundo ela, brota água em abundância. “Nossas comunidades têm se articulado para garantir o protocolo de consulta em busca da proteção dos nossos territórios, ameaçados há tantos anos por grandes empreendimentos como mineração, monocultura de eucalipto e empresas de energia”.
Três dias de encontro
Na sexta-feira (19), primeiro dia de programação, o grupo iniciou as atividades com um ato nas escadarias da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), seguida de uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos. Nela,representantes dos povos e comunidades tradicionais reivindicaram a revogação da resolução estadual que regulamentou, em abril de 2022 (Resolução Conjunta 001/2022 SEMAD/SEDESE), a consulta prévia e livre aos povos tradicionais.
Na audiência, parlamentares presentes e todas as pessoas convidadas, à exceção do governo do Estado, argumentaram que a própria resolução responsável por tratar da consulta foi feita sem qualquer solicitação aos povos tradicionais, desrespeitando a Convenção 169 da OIT.
Tal direito determina a consulta, por parte do governo, aos povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente. “Se uma resolução que fala sobre a consulta aos povos e comunidades tradicionais é feita sem consultá-los, está indo contra o que ela mesma quer regulamentar, o direito à consulta.”, explica Larissa Vieira, integrante do Coletivo Margarida Alves (CMA). Layza Queiroz Santos, também integrante do CMA, participou da audiência e foi uma das entrevistadas na matéria sobre a audiência feita pela TV ALMG.
Na época da decisão, o CMA produziu uma nota técnica sobre a resolução, argumentando todas suas irregularidades. O documento foi construído em conjunto ao Conselho Indigenista Missionário – CIMI, Terra de Direitos, à Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares, à Rede Nacional de Advogadas e Advogados Quilombolas e ao Observatório de Protocolos Comunitários de Consulta e Consentimento Livre, Prévio e Informado.
No segundo dia do Encontro de Povos e Comunidades Tradicionais, estiveram presentes a Deputada Estadual Beatriz Cerqueira (PT), o Deputado Federal Padre João (PT), além de representantes dos gabinetes de deputados/as estaduais Andreia de Jesus (PT), Betão (PT), Macaé Evaristo (PT) , Leninha (PT), Leleco Pimentel (PT), Bella Gonçalves (PSOL), Marquinhos Lemos (PT), e da deputada federal Célia Xakriabá. Também compareceram a Defensora Pública Ana Claudia Alexandre, o Procurador da República do Ministério Público Federal (MPF) Helder Magno e o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Aderval Costa. Todos eles manifestaram o comprometimento, em suas áreas de atuação, em contribuir para alcançar o objetivo de revogar da resolução estadual. Também foi momento de troca de experiências entre representantes dos povos e demais pessoas presentes, sobre os protocolos de consulta e sobre como a resolução afeta as comunidades dos povos presentes.
O fechamento do encontro ocorreu no domingo (21) com o lançamento da pesquisa “Acesso à Internet e Exercício de Direitos”, realizada pelo Coletivo Margarida Alves com base nos dados coletados em trinta comunidades tradicionais de Minas Gerais. Logo depois, houve o compartilhamento dos encaminhamentos baseados nos debates em grupo feitos no dia anterior, com possibilidades para o enfrentamento das violações de direitos. Na ocasião, a Deputada Bella Gonçalves esteve presente e também se comprometeu com a luta para revogação da resolução. Uma carta de proposições do encontro foi escrita de forma coletiva para ser compartilhada com a sociedade civil.
“Acesso à Internet e Exercício de Direitos”
O material detalha os impactos discriminatórios associados às novas tecnologias digitais, a partir de questionários aplicados em trinta comunidades tradicionais de Minas Gerais. Em comum, elas têm a convivência de seus povos com grandes empreendimentos predatórios ou com suas ameaças, responsáveis por diversas violações de direitos humanos, como o direito à água, à saúde, à terra e à informação. Parte do material trata justamente da existência do direito à “Consulta Prévia, Livre e Informada”, prevista na Convenção 169 da OIT, levando em conta a abrangência de povos e comunidades tradicionais pela pesquisa.
Em breve, o dossiê será disponibilizado no nosso site. Confira!