Por Mariana Prandini Assis
“Durante minha estada no hospital, não tive acompanhante. Tive só acusante“. Foi assim que Joana descreveu sua experiência em um hospital público da capital pernambucana após ter abortado com medicamentos conseguidos por meio de uma amiga. Joana tinha 25 anos, um trabalho precário vendendo frutas no mercado público, uma mãe doente que dela dependia financeira e emocionalmente, e um companheiro com quem não podia contar. A história de Joana é apenas uma dentre a de milhares de mulheres que, sem outra alternativa, recorrem ao aborto clandestino e inseguro no Brasil em resposta a uma gravidez inesperada e indesejada.
Pela primeira vez na história, o IBGE realizou uma estimativa sobre o aborto no país (http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/pesquisas/pns/default.asp?o=23&i=P) e apontou que mais de 8,7 milhões de brasileiras com idade entre 18 e 49 anos já fizeram ao menos um aborto na vida. Dentre esses casos, 1,1 milhão foram de abortos provocados. Trata-se de um número certamente menor do que a realidade, pois sendo o aborto um crime no Brasil, com pena de um a três (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm) anos, grande parte das mulheres que o sofre ou provoca prefere manter o ocorrido em segredo. Mas a criminalização do aborto não leva apenas à criação de um tabu sobre o tema, com a consequente estigmatização daquelas que o trazem a público, seja no relato de suas histórias pessoais ou no seu ativismo político. De forma ainda mais dramática, o fato de que o aborto é um crime leva à morte de milhares de mulheres que, amedrontadas pelo sistema de justiça que as acusa e pune em nome da vida, deixam
de buscar o sistema de saúde no momento em que mais precisam.
Nunca é demais repetir que a mortalidade de mulheres por aborto no Brasil tem raça e classe social, assim como acontece com todas as nossas mazelas: a esmagadora maioria que morre é pobre e negra, e já é vítima da violência institucional do estado em diversas outras situações de sua vida. Por isso, a descriminalização do aborto é uma medida de justiça reprodutiva: ela implica garantir àquelas que mais necessitam recurso ao sistema de saúde no seu momento de maior vulnerabilidade. Obviamente, quando militamos pela justiça reprodutiva, não reivindicamos apenas o direito ao aborto. Entendemos ser necessário garantir acesso, igualmente, a métodos contraceptivos efetivos, à educação sexual desde o ensino básico, a um sistema de saúde integral e humano para todas as pessoas, e a um mínimo social que permita a criação de uma família com dignidade.
Em tempos de zika, não dá mais para adiarmos essa decisão coletiva, e permitir que as mulheres pobres sigam sendo responsabilizadas pela falência das nossas estruturas sociais de cuidado. Fazer a opção pela justiça reprodutiva e, consequentemente, pela descriminalização do aborto, é fazer a opção pela vida!