Por Cass
Numa pesquisa rápida, em qualquer buscador, encontramos diferentes datas para a celebração deste dia, em diferentes país. Mas todos têm na sua intenção algo em comum: reclamar igualdade.
Igualdade, esse conceito que nunca foi sinônimo de justiça, nem nunca será. Igualdade, essa palavra que salta de boca em boca para dar boa imagem a quem a profere e sutilmente ir inviabilizando causas e gente. Igualdade, essa ideia que faz com que se aceite que o correto não é dizer “vidas negras importam” mas sim “todas as vidas importam”, porque afinal “somos todos iguais”.
A quem serve a igualdade? A que serve que nós, mulheres lésbicas e bis, reclamemos igualdade, quando isso é reclamar a inserção e reconhecimento dentro de sistemas e modelos sócio-políticos burgueses, absolutamente falidos e violentos? O que nos traz a igualdade dentro da heteronorma se não mais invisibilidade e entrega do controle sobre nossas vidas e afetos?
Para muitas sapatão, adaptar-se à norma, seguir os moldes heteropatriarcais é uma estratégia de sobrevivência e autodefesa, sabemos. Meios sociais e familiares que só se propõem a manifestar algum respeito e a reduzir os níveis de violência se nós, sapatão, cedermos a uma vida dentro das regras dos modelos vigentes e assim entregar a nossa autonomia: como se aparentam, se relacionam socialmente, amorosamente, que papeis ocupam, entre outros campos. Para muitas não há outra opção sem que isso lhes custe a vida – recordemos Luana Barbosa, e a estas companheiras toda a solidariedade e respeito.
Mas, não seria a visibilidade mais palpável e eficaz se fosse reclamada uma ruptura com os sistemas que nos violentam, ao invés de nos inserirmos neles? Não será a visibilidade garantir a dignidade de sermos o que quer que sejamos ao invés de sermos o que a sociedade racista, capitalista e heteropatriarcal queira que sejamos? Como temos vindo a tratar o legado deixado pelas nossas antepassadas e que legado deixamos a quem está por vir, quando consciente ou inconscientemente almejamos reproduzir modelos que ferem a nossa dignidade, sob a sensação de que assim buscamos a tal falaciosa igualdade – a que nos controla e invisibiliza?
Parece estranho que sejam referenciados e reivindicados direitos pertencentes ao conservadorismo, como o casamento – e os protocolos que deverão ser seguidos a partir daí. Uma instituição que existiu/existe por séculos para garantir propriedades ao homem – sendo a mulher uma delas – passou a ser algo aparentemente muito desejado pelos movimentos LGBT e apoiado pelas mulheres lésbicas. E não o casamento que vai garantir partilhas e eventuais regalias civis, mas aquele da Disney e de L WORD, que se apresenta como a maior prova de amor. Porque é preciso tornar visível que o amor entre lésbicas é igual ao heteronormativo, para que não corra o risco de haver dúvidas externas nem tampouco posto em causa pelas envolvidas e assim garantir que os sentimentos são amplamente validados.
Quantas de nós esboçamos um sorriso, ou até gargalhada, durante a copa feminina, quando o jornal El País publicou as histórias das jogadoras lésbicas e Cristiane, sobre a sua companheira, contou que “Encontrei num risca faca, estava largada na rua, chamei pra dançar um arrocha, paguei um Corote Blue (…)”? Com esse pequeno, mas simbólico, trecho da entrevista, rimos. Sabemos que Corote Blue não é propriamente a coisa mais interessante de se oferecer nem tampouco de beber e talvez por isso o exemplo transmite quase que um alívio ao vermos que se pode fazer diferente, sentir diferente, chegar em alguém, se comportar e se relacionar fora dos padrões e romantismo burguês, nos dando outras referências para irmos (re)construindo o nosso próprio lugar visível.