* Por Lei.A Observatório
Há exatos quatro anos, minutos depois da barragem de rejeitos controlada pelas empresas Samarco/BHP/Vale, de nome “Fundão”, romper na cidade de Mariana, dezenove pessoas morreram. Poucas horas depois, uma comunidade tricentenária foi devastada pela lama. Nos dias posteriores, toda a vida de um rio – antes doce – foi aniquilada.
Meses depois, de forma pouco transparente, uma fundação (Renova) foi criada pelas empresas responsáveis pela barragem rompida. O objetivo era transferir a ela todo o passivo social, financeiro, ambiental, humanitário, patrimonial e de comunicação daquela tragédia, provocada pelo modelo econômico adotado pela mineração no Brasil.
Hoje, quatro anos depois, nenhuma empresa foi julgada e ninguém foi condenado. Além dos dezenove óbitos ocorridos no dia 05 de novembro de 2015, muitas outras pessoas morreram por depressão ou doenças provocadas pelo trauma.
Os moradores sobreviventes das comunidades de Bento Rodrigues e de Paracatu de Baixo, que tiveram suas casas devastadas pela lama, ainda não foram reassentados. As obras de reparação ao longo do rio Doce, seus reais efeitos e os valores gastos com elas só são controlados e divulgados pela Fundação Renova, sem auditoria dos próprios atingidos ou de órgãos públicos.
Sob a óptica do que chamamos de “direito à comunicação”, é possível constatar uma triste ironia. Ao longo desse quadriênio da maior tragédia socioambiental da história do Brasil, quase tudo que se conta sobre essa história vem de um único protagonista, de uma única versão, de um só discurso construído (ou comprado nos grandes veículos).
Salvo em momentos como o de datas marcantes como a de hoje, quando a comoção volta a “pautar” as redações, durante todo esse tempo, foi o poderio econômico das empresas de mineração quem ditou o volume, a qualidade e quais informações deveriam chegar à sociedade.
Vejamos. Recentemente, diversos jornais mineiros e nacionais publicaram vasto material publicitário, com roupagem jornalística. No mesmo período, por falta de recursos e por aparelhamento ideológico, assistimos às dificuldades do Jornal A Sirene, produzido pelos próprios atingidos, uma das iniciativas mais inovadoras no que tange a comunicação popular, beirar o fechamento.
Por fim, no início da semana, a Agência Pública denunciou a sonegação de informação, por parte do poder público (Governo do Estado de Minas Gerais), quanto a um relatório que apresenta estudos sobre os efeitos nocivos da poeira da mineração nas cidades atingidas.
Este recorte, quatro anos depois, demonstra que nada mudou. Na guerra pelo protagonismo do discurso, o poderio econômico das grandes empresas continua ditando quem tem “direito” à comunicação e qual versão da história será contada.
O caso emblemático de Mariana expõe uma realidade recorrente em diversos conflitos envolvendo o modelo econômico e o de comunicação, adotados pela mineração no Brasil. Não se trata de negar o acesso à informação. Na verdade, não há interesse em fornecê-la de forma didática, palatável e em condições de ser assimilada ao ponto de provocar uma ação.
E quando há iniciativas que elevam a potência da “voz dos próprios atingidos”, não encontram espaço nem recursos financeiros, para que possam lutar com justiça, em condições democráticas e de igualdade. Portanto, o “direito à comunicação”, historicamente, não é para todos.
Lutar por isso é a razão da existência do Lei.A, um observatório de leis ambientais em Minas Gerais que utiliza exatamente a comunicação ambiental como ferramenta de transformação social.
Nós acreditamos que a concepção do “direito à comunicação” está para além da liberdade de informação e de imprensa. Está presente no Relatório MacBrid, também conhecido como “Um Mundo e Muitas Vozes”, publicado pela Unesco em 1983.
Este documento precisa ser constantemente consultado. Ele reforça a necessidade de reconhecimento do direito humano à comunicação como princípio jurídico. Afirma ainda que a comunicação não pode estar somente nas mãos do mercado, nem tampouco do Estado. A comunicação e suas ferramentas devem estar nas mãos da sociedade civil.
O relatório da Unesco aponta diretrizes para o reconhecimento e a efetivação de outro modelo de comunicação global, com um fluxo de informação e conhecimento horizontais, privilegiando o diálogo em detrimento do monólogo. Assim, descentraliza o poder e a riqueza, buscando a emancipação de todos os povos e suas respectivas culturas. Enfim, prioriza o papel do “direito à comunicação” na radicalização da democracia.
Quatro anos depois de Mariana, no que tange aos conflitos da atividade minerária, estamos longe de seguir as diretrizes da Unesco. Vivemos uma guerra de narrativas sobre as causas e os efeitos das tragédias provocadas pelo modelo de mineração adotado em Minas Gerais e no Brasil.
O caso da tragédia da Vale, em Brumadinho, que deveria servir de ponto de virada, beneficiado inclusive pela análise sobre “erros e acertos” em Mariana, não tem dados sinais de que o jogo do “direito à comunicação” será disputado sob regras novas e posturas morais diferentes por parte dos atores envolvidos.
Por enquanto, o que se assiste por lá é um capítulo inicial idêntico ao vivido no primeiro ano da tragédia de Mariana: comoção em datas marcantes, muitas pessoas (inclusive comunicadores) se beneficiando financeiramente às custas da tragédia; denúncias e investigações em fases iniciais e uma incapacidade sistêmica de diálogo entre os atores.
A guerra midiática perdida no caso de Mariana não deixa dúvidas do quanto a luta pelo “direito à comunicação” é complexa e demanda muita organização, foco e, principalmente, união de esforços. Também prova que precisamos mudar as nossas estratégias para reverter esse jogo. É nessa inovação nos processos de comunicação ambiental que nós do Lei.A acreditamos e, por ela, trabalhamos.