Regulamentação estadual de dispositivo internacional contraria comunidades indígenas e quilombolas
Matéria originalmente publicada no site da ALMG
Em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), no dia 20 de abril, organizações da sociedade civil e movimentos populares criticaram a regulamentação estadual da consulta prévia aos povos tradicionais afetados por empreendimentos econômicos.
Representantes de entidades ligadas à defesa dos direitos de comunidades indígenas, quilombolas e de geraizeiros reclamaram da falta de participação popular na elaboração da Resolução Conjunta nº 01, das Secretarias de Estado de Desenvolvimento Social e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
Publicada no dia 4 de abril, a norma regulamenta, em âmbito estadual, a consulta livre, prévia e informada aos povos e comunidades tradicionais, prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Esse instrumento legal tem o objetivo de assegurar os direitos dos povos indígenas e tribais e foi ratificado pelo Brasil em 2002.
Uma nota contrária à Resolução nº 01 foi assinada por 80 entidades de defesa dos direitos humanos. Para o coordenador da Comissão Pastoral da Terra, frei Gilvander Luís Moreira, a norma viola princípios básicos de participação popular e a própria Convenção 169 da OIT. “É mais uma manobra do Governo do Estado a serviço das grandes empresas”, criticou.
Entre os principais problemas da Resolução nº 01, na avaliação de frei Gilvander, está o reconhecimento somente das comunidades certificadas oficialmente, o que restringe o número de povos tradicionais a serem consultados. Além disso, essa exigência também seria uma afronta ao princípio da autodeterminação dos povos, já consagrado no direito internacional. Para frei Gilvander, resolução é uma manobra do governo a serviço das grandes empresa.
Outro ponto controverso é o prazo de 45 dias para elaboração de protocolo de consulta pelas comunidades tradicionais nos processos de licenciamento ambiental. “Esse prazo desrespeita a forma de organização dos povos tradicionais”, acusou a advogada do Coletivo Margarida Alves, Layza Queiroz Santos.
O representante da Federação Quilombola de Minas Gerais – N’Golo, Matheus de Mendonça Gonçalves Leite, lembrou que a Resolução nº 01 prevê a possibilidade de realização da consulta pelo próprio empreendedor privado, ainda que com supervisão da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese). “Há um conflito de interesses entre as empresas e os povos tradicionais”, alertou.
Diante desses pontos polêmicos, os representantes de entidades de defesa dos direitos humanos pediram a revogação da Resolução nº 01. “O interesse dessa norma é favorecer o capital, em detrimento das conquistas dos povos tradicionais”, afirmou a historiadora do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes), Alenice Baeta.
Governo não admite revogação da norma
O subsecretário de Estado de Direitos Humanos, Duílio Silva Campos, rebateu as acusações de falta de participação popular na elaboração da Resolução nº 01 e disse que o governo recebe cobranças pela regulamentação da Convenção 169 da OIT. “Não há má-fé na implementação dessa norma. Houve dedicação de técnicos que têm uma história com os povos tradicionais”, afirmou.Povos tradicionais criticam regulamentação de consulta sobre empreendimentos em seus territórios
Segundo o subsecretário, as críticas feitas durante a audiência serão levadas em consideração e o governo está aberto ao diálogo para a reconstrução da proposta. Para ele, a revogação da Resolução nº 01 seria um retrocesso. “O Estado procurou transformar uma norma do direito internacional em procedimento administrativo que seja exequível e que proteja os direitos dos povos tradicionais”, disse.
Deputadas defendem discussão com a sociedade
A presidenta da Comissão de Direitos Humanos, deputada Andréia de Jesus (PT), que solicitou a realização da audiência, disse não estar convencida da necessidade de uma resolução para regulamentar a Convenção 169 da OIT.
Ela manifestou preocupação com a possibilidade de realização das consultas livres, prévias e informadas pelas próprias mineradoras, conforme permitido pela Resolução nº 01. E defendeu que o assunto seja amplamente debatido com a sociedade. Para isso, como ela lembrou, já existe a Comissão Estadual de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.
Para a deputada Beatriz Cerqueira (PT), a revogação da Resolução nº 01 não seria um retrocesso, pois permitiria a reabertura do processo de discussão com participação popular. Ela anunciou a apresentação de um projeto de resolução para sustar os efeitos dessa norma. “A situação de Minas Gerais é gravíssima. Todos os dias recebemos notícias de violações dos direitos humanos dos povos e comunidades tradicionais”, afirmou.
Confira o vídeo completo da audiência pública, abaixo: