Ocupação Tomás Balduíno resiste

“Nenhuma decisão judicial vale mais que uma vida”

Og Fernandes – Ministro do Superior Tribunal de Justiça
Hoje, terça-feira, dia 27 de outubro de 2015, os desembargadores da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) decidem sobre o futuro da ocupação Tomás Balduíno de Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
O Tribunal de Justiça em Minas Gerais pode optar, mais uma vez, por manter uma ocupação consolidada (mais 300 famílias com casas de alvenaria construídas) ou pode optar pela defesa cega ao direito à propriedade privada, desconsiderando a necessidade do cumprimento de sua função social e fazendo valer a mediocridade da especulação face à proteção do direito à moradia e à cidade de famílias pobres.
A ocupação Tomás Balduíno surgiu em março de 2013 quando um conjunto de 300 famílias ocuparam parte de fazenda ociosa na região de Areais, no limite dos municípios de Vespasiano e Ribeirão das Neves, no vetor norte da RMBH. Apoiados pelas Brigadas Populares, desenvolveram rápida e autonomamente, isto é, sem profissionais do campo do urbanismo, um parcelamento do solo que levou em consideração as diretrizes urbanísticas municipais: unidades territoriais familiares entre 150 a 200 metros ², ruas com 12 metros de largura, faixa de 30 metros de preservação do rio que margeia a comunidade e proteção das áreas de servidão da rede de alta tensão da Cemig.
Com a organização popular cotidiana e auto-determinada os moradores construíram com as próprias mãos e recursos aquilo que o Estado e os Poderes Públicos sempre lhe negligenciaram – seu direito à moradia e à cidade, ou seja, os fundamentos materiais para o exercício de uma vida digna. Sem um lar próprio e em condições adequadas nenhuma sociedade pode considerar seus membros sujeitos plenos de cidadania.
Na Tomás Balduíno, os moradores avançaram em outras dimensões territoriais. Além de decidirem seu futuro coletivo em assembleias semanais, os moradores organizaram um sistema de coleta do lixo reciclável autogestionado. Uma cooperativa de moradores é quem realiza o serviço dentro da comunidade, preserva-se o meio ambiente e, ao mesmo tempo, gerando renda para aqueles que não possuem. Destacam-se também as inúmeras iniciativas internas com a produção em agricultura urbana que garante aos moradores alimentos saudáveis e livres de agrotóxicos produzidos em escala local. Ademais de oficinais constantes de valorização da identidade negra e feminina, as sujeitas protagonistas por excelência da luta comunitária e cotidiana de uma ocupação, vide as fotos.
Está na hora do TJMG reconhecer aquilo que há muito os movimentos sociais e sociedade civil já comprovaram: as ocupações urbanas não são somente respostas pragmáticas para o problema habitacional no país, mas sim respostas adequadas e muitas vezes superiores as políticas públicas formais como o Minha Casa Minha Vida. Isso porque elas pensam e praticam integralmente a gestão da vida coletiva dentro da malha urbana, harmonizando o habitar, com o ser, o produzir e o conviver.
Como o próprio colegiado do Superior Tribunal de Justiça reconheceu em decisão histórica recente*, o caminho para resolução democrática e responsável para os conflitos sociais gerados pelas ocupações não é mera decisão de reintegração de posse, que pode resultar em violência com o uso de força policial. O verdadeiro caminho é a mediação de conflitos fazendo uso da legislação contemporânea, como o Estatuto das Cidades (lei nº 10.257 de julho de 2001) e seus diversos dispositivos de política urbana e gestão democrática das cidades, fazendo valer a função social da propriedade e instigando ao diálogo os diversos entes e esferas de poder.
Resta saber, qual será a posição dos desembargadores da 10º Câmara Cívil: o descompromisso de uma reintegração de posse ou a mediação democrática em diálogo com os diferentes poderes da república?
Ribeirão das Neves, 27 de outubro de 2015
Moradores da Ocupação Tomás Balduíno
Brigadas Populares – Minas Gerais
Coletivo Margarida Alves de Assessoria Jurídica Popular