Projeto de Lei coloca em risco Patrimônio Cultural de Belo Horizonte

Projeto de Lei coloca em risco Patrimônio Cultural de Belo Horizonte
Tramita na Câmara Municpal da capital mineira o Projeto de Lei nº 1255/14, de autoria do vereador Wellington Magalhães,  o qual pretende acrescentar dispositivos à lei nº 3.802/84 que “organiza a proteção do patrimônio cultural de Belo Horizonte”. O projeto em questão fere de morte a legislação em vigor, colocando em risco o patrimônio histórico e arquitetônico da cidade ao limitar a proteção e criar grande espaço para a ação desenfreada do mercado imobiliário ensejando, ainda, imenso prejuízo à ordenação urbana de Belo Horizonte.
A legislação de proteção ao patrimônio cumpre importante função pública ao salvaguardar e preservar para as presentes e futuras gerações bens que conformam a memória da cidade, mantendo vivos testemunhos históricos de sua trajetória, bem como construindo espaços exemplares de fruição estética e de socialidades singulares. Fundamental destacar o papel que estes dispositivos desempenham no ordenamento urbano da cidade, colocando obstáculo à exploração mercantil irresponsável do território urbano, que traz prejuízos irreversíveis para qualidade de vida na sociedade, dos pontos de vista ambiental, histórico, social, cultural, paisagístico e urbanístico.
Belo Horizonte possui destaque nacional no âmbito das políticas patrimoniais, tendo recentemente desenvolvido proteção exemplar, de grande repercussão, quando da proteção do conjunto urbano do tradicional bairro de Santa Tereza. Agora, toda essa trajetória e esse reconhecimento estão sob forte ameaça, juntamente com a história e a qualidade de vida da cidade.
O PL do vereador Wellington Magalhães é redundante ao estabelecer que o tombamento provisório, no prazo que ela determina (90 dias!), terá o mesmo valor do tombamento definitivo uma vez que a atual legislação já estabelece que “o tombamento provisório se equiparará ao definitivo”.  Contudo, incorre em grave ilegalidade e inconstitucionalidade, ao estabelecer  que durante o prazo de 12 meses os imóveis notificados que não forem em 90 dias oficialmente tombados perdem a proteção e não poderão receber notificação de mesma natureza, sendo permitido deles se fazer o que quiser. O texto, dessa forma, restringe a ação do poder público, impedindo-o  na prática de cumprir sua obrigação fundamental de proteger e salvaguardar bens de valor coletivo conforme preconizado pela Constituição Federal em seus artigos 215 e 216.
Na justificativa anexa à proposta o parlamentar mostra total desconhecimento a outros fundamentos constitucionais como o da função social da propriedade e incorre em discurso falacioso e inverídico ao afirmar que o estatuto do patrimônio usurpa a propriedade do bem tombado. Aquele que possui um bem de valor coletivo não perde sua posse ou propriedade, não obstante, passa a ter de observar certas regras de uso e preservação tendo em vista sua condição especial. Contudo, em função dessa mesma característica, tal propriedade também goza de benefícios e contrapartidas, como a isenção de IPTU e a Transferência do Direito de Construir (TDC), e pode contar com o suporte técnico da Diretoria de Patrimônio do Município de Belo Horizonte.
O absurdo da exigência do prazo de 90 dias previsto pelo PL 1255/14 fica explícito quando comparado, por exemplo, ao procedimento de desapropriação, instrumento jurídico, esse sim, limitador absoluto da propriedade pelo Estado. Enquanto o PL 1255/14 estabelce apenas três meses para o poder público finalizar o tombamento, sem qualquer possibilidade de protelação, o decreto do executivo que declara um imóvel como de utilidade pública para fins de desapropriação só caduca passados cinco anos (!) de sua publicação, prazo que o Estado reserva a si mesmo o poder de intervir e tomar para si a propriedade particular em nome do interesse público. A urgência imprimida pelo exíguo prazo mostra, inclusive, danosa em vista de processos que possam exigir melhor fundamentação e maior tempo de estudo e análise. Há também que se pensar no tempo dispendido em ações recursais, pois é direito de todo cidadão criar contra argumentos à decisão que lhe recaia efeito direto. Inconcebível que todo pedido de proteção de imóvel que conte com a recusa de seu proprietário possa caducar pela extrapolação do prazo de 90 dias, colocando o bem de valor coletivo maior em risco de descaracterização ou de desaparecimento. O estabelecimento de prazos, caso haja necessidade de fato, deve levar em consideração primeira a proteção do bem e ainda às condições técnicas que os órgãos competentes possuem para dar efetividade à política patrimonial. Como está, ao impedir na prática a proteção dos imóveis de valor histórico e arquitetônico, o PL 1255/14 padece de insconstitucionalidade insanável, razão pela qual deve ser integralmente rejeitado pelos (a) vereadores (a).
Se há interesse do legislativo, conforme arvora a justificativa da proposta infeliz consubstanciada no PL 1255/14, de “assegurar meios eficazes de proteção cultural e de emprestar efetividade à decisão tomada” tal projeto deveria ater-se em prestar maior e melhor suporte, tanto aos bens como aos cidadãos a ele relacionados, quanto ao órgão público responsável pela política. Aos proprietários sempre restará a via judicial para impedir abusos praticados pela Administração. Pequenos ajustes na legislação em vigor poderiam garantir maior celeridade aos processos como oferecer maiores benefícios aos bens de valor cultural.
Apresentamos algumas sugestões:
          Se ao bem indicado à proteção recai o tombamento provisório, com os mesmos efeitos do tombamento definitivo, poderia se estudar que a ele também seja garantido alguns benefícios durante o tempo necessário para que o Conselho Deliberativo do Patrimônio expresse seu parecer final, como por exemplo, a isenção do IPTU e o suporte de técnicos da Diretoria de Patrimônio Cultural (DPC);
          A notificação ao proprietário deveria, conforme é sugerido pela presente proposta, se dar de forma pessoal e direta, para além dos meios oficiais, contando com esclarecimentos dos técnicos da DPC;
          Criação de uma comissão para estruturar um procedimento mais eficiente e simplificado para elaboração dos dossiês de tombamento;
          Exigir verba orçamentária para criação de cargos e de uma estrutura na DPC que possibilite maior eficiência nos trabalhos de estudo e de suporte técnico aos bens tombados e em processo de tombamento;
          Efetivação de um corpo técnico especializado responsável por elaborar, orientar e acompanhar projetos de atenção aos bens protegidos àqueles que não tenham condição de contratar tais serviços, objetivando também a criação de processos mais participativos na construção da política.
Sendo assim concluímos que se há preocupação com o patrimônio cultural e com os direitos dos cidadãos dessa cidade uma proposta de lei que objetive modificar  a legislação em vigor, além de constitucional, deve ser baseada em procedimento que potencialize a política patrimonial e não a coloque em risco.
Rafael Barros
Antropólogo e Mestrando em Preservação do Patrimônio Cultural pelo IPHAN
Ex-Conselheiro Municipal de Cultura de Belo Horizonte