Ameaçadas pela instalação do Projeto Bloco 8, da empresa Sul Americana de Metais S.A. (SAM), comunidades do território tradicional de Vale das Cancelas, região no Norte de Minas Gerais, tiveram violado o direito à consulta livre, prévia, informada, assim como consta na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificado pelo Brasil desde 2004.
Isso porque a Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Governo de Minas Gerais realizará nos dias 29 e 30 de março, duas audiências públicas, em Grão Mogol e Fruta de Leite, para apresentar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima), no âmbito do processo de licenciamento ambiental do Projeto Bloco 8, conforme publicado no Diário Oficial de Minas Gerais do dia 5 de março.
A apresentação do estudo de EIA/RIMA por meio da audiência pública representa o último passo para o início da instalação e funcionamento do empreendimento.
“A gente sabe que a audiência publica é só um procedimento formal e que quando ela acontece é porque o processo está pronto para ser licenciado. Com essa audiência pública, o Estado está dizendo que vai licenciar o projeto, mesmo sem ter realizado o procedimento de consulta às comunidades tradicionais geraizeiras”, aponta a advogada popular do Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular (CMA), Larissa Vieira.
A audiência pública é um requisito formal do processo de licenciamento que não se confunde com a Consulta, procedimento previsto em uma Convenção Internacional que tem caráter de norma supralegal.
“Com a convocação da audiência o Estado sinaliza mais uma vez que continuará dando prosseguimento ao processo de licenciamento e só depois consultará as comunidades. Não faz sentido liberar um empreendimento que está sobreposto a um território tradicional e depois consultar as comunidades tradicionais O Estado está dando continuidade a um processo de licenciamento desrespeitando a Convenção 169 da OIT”, explica Larissa Vieira.
|| O direito à Consulta Prévia garante à população tradicional o direito de participar das discussões e de ser consultada sobre qualquer medida, administrativa e legislativa, que possa atingir seu território, como no caso de grandes empreendimentos. ||
No dia 17 de março, Comunidades Tradicionais Geraizeiras do Grande Território de Vale das Cancelas enviaram ofício para seis órgãos de âmbito federal, estadual e municipal, denunciando a violação, pelo estado de Minas Gerais na obrigação de respeitar e de proteger os direitos humanos e aponta irregularidades na realização da audiência pública.
No documento, a comunidade relata que foi surpreendida no dia 8 de março com a instalação de faixas dentro do território com informações sobre a audiência pública e pede a suspensão das duas audiências públicas, pois “deturpam o processo de devida consulta livre, prévia, informada e de boa fé às comunidades tradicionais, como determinado pela Convenção OIT 169”.
O ofício também reivindica a suspensão do licenciamento ambiental da empresa Sul Americana de Metais “até a finalização do processo de regularização fundiária do território e do procedimento de consulta, que deve ser iniciado após a finalização do protocolo de consulta que está sendo construído pelas comunidades”.
O documento foi encaminhado 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento, Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, Defensoria Pública de Minas Gerais, Defensoria Pública da União, Ministério Público de Minas Gerais e Ministério Público Federal.
Projeto
O empreendimento Projeto Bloco 8 da SAM prevê a implementação de duas barragens, com capacidade para 845 milhões de metros cúbicos de rejeitos da mineração, atingindo os municípios de Grão Mogol, Padre Carvalho, Fruta de Leite e Josenópolis.
Marcado nos últimos seis anos por crimes ambientais que dizimaram pessoas e regiões do estado de Minas Gerais, o projeto Bloco 8 pretende abrigar a maior barragem de rejeitos da América Latina. Se instalada, a barragem 100 vezes maior do que a que rompeu em Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte), em janeiro de 2019.(link matéria sobre Brumadinho)
Território tradicional reconhecido
A comunidade de Vale das Cancelas resiste há mais de 10 anos para que esse grande empreendimento minerário não seja instalado. O Território Geraizeiro é composto por cerca de 73 comunidades (Núcleos Tingui, Josenópolis e Lamarão). Estima-se que pelo menos 2.230 famílias tradicionais sejam atingidas pelo empreendimento da mineradora SAM.
Em 2014, a Lei Estadual 21.147 instituiu a política estadual para o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais de Minas Gerais. Mesmo com uma legislação estadual, o processo de regularização fundiária do território ainda não foi concluído.
Texto: Coletivo Margarida Alves de Assessoria Jurídica Popular