Território geraizeiro do Norte de Minas Gerais é atingido por grandes empreendimentos

Foto: Gui Gomes / Repórter Brasil

O norte de Minas gerais abriga o território geraizeiro do Vale das Cancelas, que é composto por 73 comunidades, localizadas no municípios de Grão Mogol, Padre Carvalho e Josenópolis. O povo geraizeiro está presente nesta região há pelo menos 7 gerações e vive numa área de aproximadamente 228.000 hectares.

O território para essas comunidades é o espaço de construção e reprodução de suas relações econômicas, sociais, culturais e políticas. É o lugar onde construíram (e constroem) relação de (auto)pertencimento,  fazem o uso comum da terra, reproduzem práticas de agricultura familiar, de criação do gado solto em extensas áreas coletivas compartilhadas entre si nos altos das chapadas, praticam o extrativismo, entre muitas outras atividades. Todas essas relações conformam a identidade do povo geraizeiro que, há algumas décadas, vem sendo ameaçada pela presença de grandes empreendimentos na região. 

Pelo menos desde a década de 70, com a chegada de empresas de eucalipto na região, o modo de vida tradicional  dessas comunidades passou a estar ameaçado. Extensos pedaços de terra foram grilados, famílias foram expulsas de suas casas, concessões públicas foram dadas para empresas explorarem vastas áreas no norte de Minas Gerais. Numa continuidade das relações coloniais que marcam a história do Brasil, essas pessoas foram desconsideradas enquanto sujeitas de direito e viram seu território e modo de vida sendo esmagados em nome de um suposto desenvolvimento.

Além da monocultura de eucalipto, diversos empreendimentos, como hidrelétricas e termelétricas ameaçam o território geraizeiro. Mais recentemente, desde o início da década de 2010, novas ameaças têm trazido ainda mais insegurança para o povo geraizeiro: as linhas de transmissão de energia elétrica e os projetos de mineração.

Mineração e linhas de transmissão em território geraizeiro

Com a riqueza do cerrado conservada, a região é muito cobiçada por diversas empresas que querem se apropriar dos recursos naturais em benefício do capital internacional. Nesse sentido, empresas de produção e transmissão de energia, de extração de madeira de eucalipto e mineradoras tentam a todo custo se instalar no território, impactando das mais diversas formas a população.

Uma das empresas que pretende explorar os bens naturais dos gerais é a SAM (Sul Americana de Metais), empresa de capital chinês. Com um complexo minerário composto, originalmente por mina, mineroduto e porto, a empresa SAM pretendia instalar esse grande empreendimento que compreendia a maior barragem de rejeitos¹ do Brasil, e que corta todo o território geraizeiro. O empreendimento da SAM, se instalado por completo, atingirá os estados de Minas Gerais e da Bahia.

O licenciamento ambiental da área da mina e do mineroduto foi iniciado no ano de 2012 no IBAMA. Contudo, em 2016 o órgão emitiu parecer contrário à obra pois, segundo relatório, “os impactos negativos e riscos ambientais aos quais podem estar expostas as comunidades vizinhas e o meio ambiente não permitem que se ateste a viabilidade ambiental do projeto”².

Contudo, a empresa não desistiu e, com vistas a conseguir a licença de forma mais fácil, ela fracionou o empreendimento “Projeto Vale do Rio Pardo”, renomeando-o como Projeto Bloco 8³, que, segundo a própria empresa, “não contempla mais o mineroduto e as interfaces para o embarque do minério no Porto Sul. A logística do minério ficará a cargo de uma empresa independente”. Com essa justificativa, a empresa iniciou o processo de licenciamento ambiental apenas na SEMAD/SUPRAM, órgão licenciador em Minas Gerais, utilizando outra personalidade jurídica.

Fragmentar o projeto é uma estratégia comum e fraudulenta de empreendimentos minerários em todo o país4. Fica a pergunta: caso seja licenciada a mina, o minério extraído será transportado como? Obviamente, a extração do minério depende de uma logística de transporte e ambas são parte de um único empreendimento. É evidente a má fé das empresas em separar as etapas da exploração minerária!

Por ora o licenciamento está parado, mas pode voltar à tona a qualquer momento. Além disso, o território geraizeiro segue sendo afetado por outros empreendimentos.

A linha de transmissão da empresa Mantiqueira, por exemplo, já está em fase de construção, enquanto o povo sequer teve o devido acesso à informação. As comunidades só foram saber o que estava sendo construído quando a empresa já estava instalada no território.

Ressalta-se que a violação ao direito à informação desencadeia a violação a outros muitos direitos, como o de participação e organização popular. Pergunta-se ainda: de que forma essa linha de transmissão estaria ligada ao empreendimento minerário?! Será que, tendo a mineração encontrado resistência popular, não encontrou uma forma de chegar sorrateiramente no território por meio da linha de transmissão?! A comunidade geraizeira segue, contudo, sem ter acesso à informação, o que dificulta, inclusive a defesa de seu território.

Vale lembrar que o direito à consulta prévia, livre e informada antes de qualquer medida administrativa e legislativa que atinja povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais,  como é o caso dos geraizeiros, é direito reconhecido e positivado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que possui caráter supralegal no direito brasileiro. Apesar disso, as comunidades geraizeiras do Norte de Minas Gerais seguem tendo seus direitos desrespeitados pelos empreendimentos que atingem seu território sem sequer serem informados pelas empresas, e, de forma indireta, a todos nós. Se não há cerrado, não há água e não há vida!

Por diversas vezes, as comunidades atingidas pela empresa Mantiqueira tentaram obter informações sobre as linhas de transmissão que estão sendo instaladas na região, mas, em contato com a empresa, não foram informados do que ali acontecia; o direito de consulta, então, sequer é considerado.

As violações de direitos perpetradas pela empresa Mantiqueira contra as comunidades geraizeiras serão denunciadas na audiência pública que ocorrerá no dia 12 de julho, às 9:30h, na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, em Belo Horizonte.

Outras comunidades atingidas por linhas de transmissão também no Norte de Minas estarão se somando à resistência geraizeira na mesma data. Convidamos todas e todos para participar e contribuir com a luta geraizeira contra a destruição de seu território!

 


¹ https://www.ibama.gov.br/noticias/58-2016/150-ibama-rejeita-projeto-de-mineracao-em-mg-que-teria-maior-barragem-do-pais

² http://www.ibama.gov.br/noticias/58-2016/150-ibama-rejeita-projeto-de-mineracao-em-mg-que-teria-maior-barragem-do-pais

³ Segundo RIMA da empresa, “O Projeto Bloco 8 é um empreendimento de mineração que contempla atividades de mina a céu aberto de minério de ferro, usina de tratamento deste minério (com o objetivo de aumentar o teor médio de ferro de 20% para 66,5%), barragens de água e de rejeito, adutoras de água e linha de transmissão de energia elétrica. O Projeto Bloco 8 estará localizado nos municípios de Grão Mogol, Padre Carvalho, Fruta de Leite e Josenópolis, ambos na região norte de Minas Gerais.”

4 Segundo dispõe o RIMA do projeto da SAM: “Projeto Bloco 8 tem origem no anteriormente denominado “Projeto Vale do Rio Pardo”, o qual era composto por uma área de mineração e uma usina de tratamento de minério localizadas na região norte de Minas Gerais. Estava também previsto, um mineroduto, de cerca de 482 km, que tinha como destino o Porto Sul, desenvolvido pelo governo da Bahia, em Ilhéus. No segundo semestre do ano de 2017, os acionistas da Honbridge decidiram reestruturar seu modelo de negócios no Brasil, o que levou a uma reavaliação estratégica e econômica do “Projeto Vale do Rio Pardo”. Este novo desenho do negócio deu origem ao “Projeto Bloco 8”, que não contempla mais o mineroduto e as interfaces para o embarque do minério no Porto Sul. A logística do minério ficará a cargo de uma empresa independente.