Tribunal Permanente dos Povos realiza audiência que trata do ecocídio em curso no cerrado e vai analisar o caso dos geraizeiros do Vale das Cancelas

Sessão Especial no Brasil é fruto de uma petição realizada pela Campanha Cerrado e aceita pela corte internacional em setembro; empreendimento minerário que ameaça ao menos 73 comunidades tradicionais no Norte de Minas, com o apoio dos governos estadual e federal, será analisado

Nestas terça e quarta-feira (30/11 e 1º/12), das 8h30 às 12h, o Tribunal Permanente dos Povos (TPP) realiza a Audiência Temática das Águas, que tratará das denúncias de apropriação dos recursos hídricos do Cerrado pelo agronegócio e da  implantação do Bloco 8, empreendimento minerário da Sul Americana de Metais (SAM)/Lótus, no Vale das Cancelas, localizado no Norte de Minas. O projeto de mineração coloca em risco a soberania territorial e cultural de, pelo menos, 73 comunidades geraizeiras, nos municípios de Grão Mogol, Padre Carvalho e Josenópolis.

A Sessão Especial no Brasil sobre o crime de ecocídio em curso contra os povos indígenas, quilombolas e tradicionais desses territórios é resultado de uma petição movida pela Campanha em Defesa do Cerrado, organização composta por 50 movimentos sociais, e aceita pelo TPP em setembro deste ano. Além do caso envolvendo o Vale das Cancelas, o Tribunal ouvirá outras 14 denúncias sobre violações aos direitos dos povos do bioma, distribuídas entre oito estados brasileiros.

Já a implementação do Projeto Bloco 8, pela SAM/Lótus – empresa brasileira de capital estrangeiro -, prevê a construção de duas barragens, com capacidade para aproximadamente 845 milhões de metros cúbicos de rejeitos, e de um mineroduto até Ilhéus, na Bahia. O volume de água escoado no trajeto, diariamente, é de quase 140 milhões de litros, em uma região semi-árida, que historicamente sofre com a escassez de recursos hídricos decorrente de atividades exploratórias, grilagem de terras e monoculturas.

Projeto de morte

Para o líder comunitário, Adair Pereira de Almeida, conhecido no território como Nenzão Geraizeiro, o empreendimento minerário, caso aprovado, representa um projeto de morte para os povos tradicionais que ali habitam e todo o ecossistema local. “Temos construído com o Coletivo Margarida Alves uma análise do impacto desse licenciamento. O empreendimento prevê a amputação das nascentes de água que abastecem três núcleos geraizeiros, localizados nos municípios de Josenópolis, Grão Mogol e Padre Carvalho. Secando essas nascentes, mesmo as comunidades que são de fora do território ficarão sem água”, explica. 

Conforme o relato do Nenzão, os córregos do Lamarão e de Curralinho, a bacia do Ribeirão das Piabinhas, com seus afluentes que abastecem toda a população do território geraizeiro e da sede do município de Josenópolis, além das águas subterrâneas da região, já são impactadas pelo rebaixamento dos níveis, devido à atividade de empresas monocultoras de eucalipto, como Rima Industrial, Norflor Empreendimentos Agrícola, Floresta Minas, Minasligas, Rio Rancho Agropecuária, Floresta Empreendimentos Agrícolas e Cerâmica União. 

“Em 2020, tivemos dez meses de seca e lidamos com uma escassez hídrica grave. Com a precipitação de chuva de 500 a 1200 ml anual, durante esse período de seca, vimos um avanço muito grande do agronegócio, pressionando as nascentes. O cerrado foi desmatado com o eucalipto, que demanda muita água. Mas esse projeto de mineração significa a destruição do nosso povo e do modo de ser e criar geraizeiro”, denuncia Nenzão. 

Ele acrescenta ainda que a exploração dos recursos hídricos pelo agronegócio coloca a população em situação de extrema vulnerabilidade e insegurança alimentar. “Não podemos deixar de dizer que a maioria das terras de chapada denominada Gerais, de uso comum das Comunidades Tradicionais Geraizeiras, são griladas. A maior parte delas são terras devolutas que estão sobrepostas ao território tradicional geraizeiro”, destaca. 

Saiba mais na tese de doutorado de Sandra Helena Gonçalves Costa, pela Universidade de São Paulo (USP), neste link.

As lideranças comunitárias também lutam pelo direito à consulta livre, prévia e informada, prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Já faz dez anos que essa mineradora tenta a licença aqui. E nunca teve uma equipe do estado, para conhecer a região, para conhecer as pessoas, para saber como é que é, porque a mineradora pode falar que é uma região pouco habitada”, reivindica uma moradora que preferiu não se identificar.

“Esses grandes projetos desenvolvimentistas, projetos do capital, eles não pensam na soberania dos territórios, não respeitam a soberania dos nossos modos de vida das comunidades tradicionais. Eles só pensam no lucro. A gente que está aqui desde a sétima geração ou mais, a gente pensa em tudo. A gente pensa na nossa ancestralidade, a gente pensa na água, na natureza, nos animais. E a gente quer proteger e preservar tudo isso”, conta.

Tribunal dos Povos

O TPP é um tribunal internacional de opinião, de natureza permanente, com sede em Roma, na Itália. Sua criação se deu em 1979, com os objetivos de dar visibilidade e promover a defesa dos povos pela autodeterminação. Trata-se de uma corte reconhecidamente independente, multidisciplinar, que recebe denúncias, investiga violações aos direitos humanos e acompanha diversas lutas e transformações no cenário mundial de neocolonialismo econômico, globalização e guerras.

Saiba mais:

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