Mineradora SAM é condenada pelo júri do Tribunal Permanente dos Povos (TPP)

Entre os dias 8 a 10 de julho foi realizada em Goiânia as audiências finais do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) em Defesa dos Territórios do Cerrado. Durante o julgamento foram apresentadas as denúncias de 15 casos de ecocídio do Cerrado e genocídio cultural de seus povos, com dados sobre os impactos das violações sobre a terra, os territórios e sobre a vida dos povos e comunidades tradicionais.

Nos três dias de julgamento, foram muitos depoimentos de povos e comunidades tradicionais que vivem no Cerrado. Momentos intensos, de testemunhos vivos do poder de destruição de governos e de empresas do agro e da mineração. Entre as denúncias, foi apresentado o caso da comunidade geraizeira de Vale das Cancelas ameaçada pelo projeto de mineração Bloco 8 da mineradora SAM.

A naturalização das violações dos empreendimentos como condição necessária para sua implementação gera um cenário de sofrimento permanente aos povos e seus territórios. “Esse é um projeto de morte”, denunciou o geraizeiro de Vale das Cancelas, Adair Pereira, ao relatar o caso da comunidade que convive com a ameaça do projeto de mineração na região.

As comunidades de Vale das Cancelas têm lutado há anos contra a implementação do empreendimento na região. Mais recente, a comunidade luta para ter seu direito de consulta, livre, prévia e informada garantido.

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Na decisão, o Tribunal Permanente dos Povos condenou o Estado brasileiro pela omissão e promoção do genocídio e ecocídio dos povos do Cerrado, além das instituiçoes públicas, condenou também empresas privadas e transnacionais, como a empresa Sul Americana de Metais S.A. (SAM). Além dela, também foram condenadas outras empresas transnacionais e fundos de investimento/pensão, cujas atividades econômicas estão vinculadas à violação de direitos fundamentais que causam e se beneficiam do ecocídio-genocídio cultural no Cerrado, como Bayer-Monsanto, Bunge, Cargill, Suzano Papel e Celulose, Vale S.A., entre outras.

Assim como o Estado brasileiro, as empresas privadas e transnacionais foram acusadas de promover atividades econômicas, que “são intrinsecamente vinculadas à violação de direitos fundamentais que causam e se beneficiam do ecocídio-genocídio [cultural] no Cerrado”, conforme argumenta uma das peças de acusação.

No caso de Vale das Cancelas, foram listados 10 instituições e agentes públicos responsáveis, entre estas a União Federal, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Agência Nacional de Águas (ANA) e o Governo do Estado de Minas Gerais. Entre as instituições e agentes privados, empresas nacionais e estrangeiras responsáveis listadas pela acusação, estão, entre outras, a Sul Americana Metais S.A. e Lótus Brasil Comércio e Logística LTDA.

O júri presente em Goiânia, composto pela subprocuradora-geral da República aposentada Deborah Duprat, pela escritora e jornalista Eliane Brum, pela professora venezuelana da Universidade Federal do Pará (UFPA) Rosa Acevedo, pelo professor espanhol da Universidade Rovira i Virgili de Tarragona Antoni Pigrau e pelo jurista francês e presidente do TPP, Philippe Texier, apresentou, de forma contundente e explícita, sua condenação, lida na ocasião por Eliane Brum.

“O Tribunal Permanente dos Povos condena o estado brasileiro, o atual governo executivo federal, as unidades da federação, instituições públicas federais e estaduais, estados estrangeiros, organizações internacionais, empresas nacionais e transnacionais, de forma objetiva e compartilhada, por sua contribuição à comissão de crimes econômicos, ecológicos, qualificados como crimes de sistema, que têm gerado graves violações a direitos humanos fundamentais e ao meio ambiente, de forma a obstaculizar o acesso a direitos básicos, como à alimentação, água, medicamentos, moradia, trabalho, entre outros.”

A advogada popular do Coletivo Margarida Alves, Layza Santos, ressaltou a importância do Tribunal na luta dos povos do Cerrado. “O TPP é um tribunal de opinião, composto por um júri que tem amplo conhecimento sobre direitos humanos, direitos dos povos, direitos econômicos e sociais. Julga e analisa casos em países em que o sistema de justiça e o Estado não está dando conta de dar uma resposta satisfatória, que é justamente o caso do genocídio e ecocídio dos povos do Cerrado, que vem enfrentando a partir de diversos contextos, uma expropriação brutal dos seus territórios, violações de seus direitos e a gente percebe uma ineficiência desse sistema de justiça que muitas vezes não age só com omissão, mas como um ator que franquia essas violações de direitos”.

O Coletivo Margarida Alves, que é uma das 50 organizações autoras da acusação e membro da Campanha em Defesa do Cerrado.

O veredito completo pode ser conferido abaixo

Recomendações

Após o anúncio do veredito, os jurados apresentaram as recomendações prioritárias às instituições estatais brasileiras.

As sentenças proferidas pelo júri do TPP não têm aplicação dentro do sistema jurídico formal do país em que é realizado. Um governante ou dirigente de uma empresa que sejam considerados culpados por um crime pelo júri do Tribunal não poderá ser preso, por exemplo.

Ainda assim, as sentenças proferidas pelo TPP são de extrema importância para os sistemas de justiça nacionais e internacionais, e para a opinião pública de uma forma geral, uma vez que expõem os vazios e limites do sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos e, assim, pressiona para sua evolução. “Cada sessão do TPP é produto de uma demanda por justiça, e o TPP, em si, não é um ponto final, mas o início de um novo momento de luta dos povos que o Tribunal, por meio do veredito, pretende legitimar”, afirmou Simona Fraudatario, secretária geral do TPP.

Para Layza Santos, o veredito do júri será uma peça importante as organizações. “É um documento fundamental para que as organizações façam incidência, um instrumento de denúncia e de fortalecimento das nossas lutas”, destacou.

Com informações do Coletivo de Comunicadoras e Comunicadores do Cerrado